terça-feira, 25 de maio de 2010

entrevista com Ariel



1 - É grande a satisfação de entrevistar você Ariel, é uma enorme honra. Vamos começar na época da Vila Carolina, como era? Muita confusão e bandas sendo formadas, correto? Como era a cena em geral? E fale do principio do Restos de Nada?

Ariel: Tudo era novidade para aqueles moleques recém saídos dos anos 60. A estética hippie já não nos seduzia e para contrapor essa filosofia das flores, formamos gangues que passaram a ser fundamentais para o surgimento do Punk Rock. Para podermos ir para o centro da cidade, precisávamos estar espertos e unidos, pois existiam diversas gangues disputando os espaços. Quando algumas delas se encontravam o choque era inevitável. A Gangue da Carolina era uma das mais respeitadas nesse conceito. Algumas pessoas envolvidas nessas gangues também estavam interessadas em algo mais além de brigar e daí surgiram bandas como, Restos de Nada, NAI (Condutores de Cadáver), Desequilíbrio, Inocentes, Neuróticos e outras mais. A Restos de Nada se diferenciava pelo modo elaborado de composição, tanto das músicas como das letras, que bebiam na fonte das bandas e dos escritores malditos. Nossa necessidade de expressão ultrapassou os limites dos três acordes e fomos nos engajar em diversas frentes que estavam surgindo.

2 - Você sempre foi muito ativo no nosso movimento, fale um pouco sobre os grupos de estudos zapatistas e anarquistas, e dos sons que você organizou, os principais como SP Punk, A Um Passo do Fim do Mundo; O Fim do Mundo. Lembra quando tocamos juntos em 2.005, que você colocou um “telão” com “filmes de ação e educativos” (risos), onde foi mesmo isso? Você ajuda na trilha desses filmes, correto?

Ariel - Completando a resposta anterior, essas novas frentes que estavam surgindo nos interessavam como forma de aliar nossa postura Punk com o que estava acontecendo no Movimento Estudantil e também na luta sindical, com greves pipocando pela cidade, como a dos bancários em 1977 e na movimentação metalúrgica por São Paulo e pelo ABC paulista em 78/79. Alguns grupos de extrema esquerda já estavam atuando nesses meios e passei a me interessar por política revolucionária e entrei na OSI (Organização Socialista Internacionalista) de tendência Trotskista que lutava pela IV Internacional dos Trabalhadores. Participei ativamente desse grupo, atuando no movimento secundarista e sindical, pois naquela época eu trampava numa metalúrgica e fui a muita porta de fábrica e também a muita greve por aí. Depois de um tempo abandonei essa forma de luta e em meados dos 80 já era Anarquista convicto e militante da causa libertária. Já nos 90 apareceu uma nova forma de luta que tem os companheiros mexicanos do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) como exemplo atual de consciência revolucionária e formamos um núcleo zapatista aqui em São Paulo, com diversos grupos atuando em conjunto e uma de nossas façanhas foi ocupar o consulado mexicano e entregar uma carta de repúdio ao cônsul.
Na verdade, SP PUNK foram umas coletâneas que gravamos com o selo Desculpe Aturá-los Records. Foram em torno de 50 bandas em três edições no final dos anos 90. Tivemos problemas internos e acabamos com o selo. Os festivais foram dentro da Semana Jovem que aconteceram em 2001 e 2002. Foram 54 bandas no primeiro e 64 no segundo.
Sempre procuramos dar um diferencial nos sons e dessa vez mostramos uns altporns pro pessoal. Dessa vez foi na Penha. Tem um grupo chamado X Plastic que desenvolve esses brinquedinhos educativos (risos). Participamos como trilha sonora em alguns vídeos dessa produtora.


3 - Como foi sua entrada e saída na banda Inocentes? Qual a parte positiva e negativa ou traumática desta experiência?

Ariel - Minha entrada aconteceu em 1982. Nessa época a Restos de Nada e a Desequilíbrio já tinham acabado e como o Mauricinho havia saído, resolveram me chamar para assumir o vocal da Inocentes. Fizemos eventos importantes, como nossa aparição catártica no Gallery, os shows na PUC de união do movimento, no Festival O Começo do Fim do Mundo e no Circo Voador no Rio em janeiro de 1983. Gravamos de forma totalmente independente um compacto chamado Miséria e Fome, com músicas censuradas e tudo mais. Tudo o que fizemos nessa época foi por nós mesmos e essa foi a parte positiva da coisa. Éramos "A" banda do movimento, mas por questões de ego e desejo de alcançar outras paragens, me tiraram da banda, alegando que eu era o homem que bebia demais (risos).

4 - O Show no circo voador (RJ) em 83 é visto até hoje como nostálgico, para a história do rock nacional em geral, afinal foi lá que o grupo Paralamas do Sucesso acabou assinando com uma grande gravadora e tal. Como ocorreu tudo isso, quais as principais lembranças?

Ariel - Esse show aconteceu num momento (Janeiro de 1983) realmente importante para o Punk Rock nacional. Foi a 1ª vez que mantivemos contato com Punks de outros lugares, pois até aí éramos restritos à capital paulista com as gangues pegando pesado quanto à violência e de uma certa forma autodestruindo a cena que tanto lutamos para conquistar.
Mas voltando ao Circo, lembro de muita pouca coisa (risos), pois estava o tempo todo chapado de Artani e cachaça, mas sei que o pessoal ficou chocado quando apareceu um carro da Rede Globo para cobrir o evento e nós incentivando o pessoal a quebrar tudo, pois após o Festival do Sesc em Novembro, essa mesma Rede havia feito uma matéria sensacionalista no Fantástico, sujando o Movimento como um todo, e foi isso mesmo o que aconteceu, voaram repórteres e câmeras pra todo o lado e eu em cima do palco bradando: Pau no cu de Deus, Pau no cu da Globo e Pau no cu do ABC (que era nosso desafeto na época). Foi foda, o Jornal O Globo estampou uma foto minha de meia página e todo o ocorrido. Pânico no Rio de Janeiro!
Havia uma rádio chamada Fluminense (A maldita) que tocava o Punk Rock feito em São Paulo na programação normal e todo o pessoal já estava mais do que familiarizado com a cena de São Paulo. Eu andava direto com uma camiseta escrita: Foda-se a Classe Dominante, de jaqueta de couro e coturno num calor de 40º. O Paralamas pediu pra abrir o show e depois disso se deram bem, não é mesmo? Havia outros famosos também, como o Cazuza e o Eduardo Duzek, que queria trocar idéia com a gente, mas não rolou. Too Much Junk Business.


5 - Como se sente, quando dizem que o movimento punk no brasil começou em Brasília?

Ariel - Me sinto ofendido, pois um bando de babacas, como Renato Russo, Herbert Vianna e Dinho Ouro Preto, pagando de rebelde e reivindicando o Punk como Movimento, é piada, não é mesmo? Queria ver esse pessoal dando rolê pelas quebradas e pelas ruas do centro de São Paulo, nos idos dos 70. Será que sobreviveriam ao que nós sobrevivemos? Falar de Movimento de rua é uma coisa, outra é ficar no conforto de um apartamento de Brasília escutando um som. Na verdade não importa onde tenha surgido o Punk no Brasil, mas que nós criamos a cena mais radical em São Paulo, disso não tenho dúvidas.

6 - Hoje é muito menos difícil a gravação de musicas, como era isso até a década de 90. Cite os principais trabalhos ao qual você gravou, seja com o Restos de Nada, Invasores de Cérebros e Inocentes.

Ariel - Acho que está mais fácil, sim, mas um tanto banalizado. Falta um diferencial, seja conteúdo ou inovação musical.
Minha primeira gravação em um estúdio profissional foi com o Inocentes em 1983. Conseguimos por nós mesmos gravar um compacto, pois a censura vetou muitas músicas que dariam para um LP, que acabou saindo depois pela Devil Discos.
Pela mesma Devil, lançamos o LP do Restos de Nada em 87, numa reunião da banda original.
Com o Invasores, lançamos um compacto por nós mesmos no final dos 90 um CD no começo de 2000, pela Ataque Frontal e o mais recente numa parceria entre a banda, a Corsário Discos e a Rebel Music.


7 - Como foi o começo e os principais fatos históricos da melhor banda de hardcore/punk nacional (na minha opinião), os Invasores de Cérebros? Como foi a “correria” para lançar os dois cds da banda?

Ariel - A banda Invasores de Cérebros, nasceu dentro do Movimento e preserva até hoje essa postura, tocando em todos os lugares onde é chamada, seja num buteco numa quebrada qualquer ou mesmo nas casas noturnas da cidade. Não temos preconceito com quem quer que seja e apesar de muito babaca ficar cobrando posturas, acredito que ficar fechado em dogmas não condiz com uma postura libertária. Vou citar um caso entre tantos passados pela banda: No início dos 90, um grupo de trabalhadores da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) sediada em Cubatão, que havia sido demitido, estava acampado próximo á estação São Bento do Metrô, divulgando sua luta e como estávamos tentando reorganizar a COB (Confederação Operária Brasileira), com anarquistas e punks unidos, propusemos aos metalúrgicos um show na Concha Acústica de Santos, praia do Gonzaga e levar sua reivindicação à população local. Enchemos dois ônibus de punks e anarquistas e fomos ao litoral para fazer o show com as bandas Invasores de Cérebros e Coyote Maldito. Conseguimos juntar muitas pessoas e no meio do show, vem uma comissão que estava em uma assembléia, dizendo que os trabalhadores haviam sido recontratados. Foi uma alegria imensa e uma certeza que com solidariedade e luta conseguimos fazer ações diretas concretas.
Quanto aos discos, a coisa funcionou da mesma maneira de sempre. Buscamos juntar alguma grana para a gravação e com ajuda de camaradas, tanto da Ataque Frontal, quanto da Rebel Music, da Corsário Discos e até mesmo do Zine Aviso Final, conseguimos lançar as paradas.


8 - Para nós o movimento é um estilo de vida, compromisso mesmo. O que você anda fazendo atualmente dentro da cena? Sei que é muita coisa como sempre! Fale sobre os Garotos do Subúrbio.

Ariel - Para mim é mais do que um estilo de vida, é a própria vida, pois se me faltar isso não sobrevivo de forma alguma. Por esse motivo sempre estou em movimento e querendo ainda mais...
Procuro sempre ajudar quem está interessado em fazer a cena, atuando em várias frentes, seja numa leitura de poesias, numa encenação teatral, editando textos, resenhando shows, organizando eventos, e o que mais aparecer.
O projeto Garotos do Subúrbio nasceu de uma idéia de resgatar as músicas antigas do Inocentes de 82/83, tendo como rumo o disco de estréia da banda, Miséria e Fome. Estamos com muita vontade de tocar e além das músicas do Inocentes, vamos tentar trazer algumas coisas obscuras da época também, como músicas da banda Setembro Negro, Desequilíbrio e Mack, que nunca chegaram a ser gravadas e raramente apresentadas. A banda conta, além de mim, com o Callegari da formação original e Anselmo e o Nonô da formação mais recente do Inocentes. Os garotos vieram pra ficar. Cuidado!

9 - São mais de 30 anos de movimento, quanto você acha que valeu a pena? Cite as principais diferenças na cena do final da década de 70 para os dias de hoje.

Ariel - Para mim tudo valeu a pena, até mesmo as coisas erradas, pois se existe movimento hoje, elas foram superadas e apagadas.
As cenas de todas as décadas mudaram e se adaptaram às realidades impostas. Acontece que com o Punk, a essência prevaleceu e ditou um rumo que prevalece até hoje, com dezenas de bandas surgindo a cada dia e assumindo uma postura radical. Não é fácil assumir uma postura Punk, por isso acredito que se formaram várias tendências dentro do Movimento e por mais que haja diferenças entre elas, alguma coisa de autêntico permaneceu. Amém! (risos)

10 - Sem palavras pela colaboração com nossa iniciativa e por tudo que fez e ainda faz pelo nosso movimento Ariel. Deixe o recado que quiser para os nossos leitores. Até a próxima noite quente na cidade.

Ariel - Quem agradece sou eu, meu camarada. É sempre um prazer falar de Punk.
Acho que já falei demais, mas gostaria de fazer um apelo: Façam o que quiser, seja uma atitude Punk ou não, mas faça com paixão e com a certeza de querer mudar essa situação que nos é imposta. Provamos depois de todo esse tempo que somos necessários, todos nós, os Libertários!

Acracia

Ariel

4 comentários:

  1. Ariel, é a maior influência minha para o punk rock nacional. Me identifico com tudo que fala e faz! Obrigado Ariel!

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  2. grande Ariel !!!
    sempre na luta , o movimento punk deve muito a esse cara !!!

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  3. nossa, nem tenho palavras, é muito confortante ler isso.

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  4. Massa a reportagem, curti!
    Muita coisa que eu nem sabia...

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